sexta-feira, 4 de outubro de 2013

O Grande Clássico.



DANIEL PABLO
SAULO ÍCARO
Direitos Reservados

Há certas coisas na vida em que a expectativa é mais saborosa que o próprio acontecimento. Tem coisa mais gostosa que o desejo de uma festa que se aproxima? Ou o anseio em se chegar numa viagem? Ou sonhar com os beijos da mulher amada? A imaginação sobre o que há de vir é muitas vezes um prazer mais intenso do que a sua concretização. Algo parecido acontece com alguns jogos de futebol, os chamados clássicos. Nos embates entre duas equipes de grande rivalidade, a proximidade do jogo eleva as expectativas a níveis máximos, ainda mais se o certame for uma decisão de título, o que é incrementado se for um torneio difícil, sendo um acontecimento único os dois rivais disputarem o troféu. Seria algo como uma final de Copa do Brasil entre Bahia e Vitória, ou uma libertadores entre Boca e Ríver, ou uma Champions League entre Barça e Real. Guardada as devidas proporções, esse grande jogo aconteceu, na zona rural de Irecê, mais precisamente no Achado, envolvendo os maiores rivais do mundo. Duas equipes pequenas e amadoras, mas que nutrem entre si uma rivalidade incomensurável. São elas: Grêmio Atlético Ypiranguense (G.A.Y.) e o Clube Atlético Guerreiros do Achado (C.A.G.A.).
Apesar de modestos, os dois clubes do pequeno povoado disputaram um clássico que mexeu muito mais com os sentimentos de seus torcedores do que qualquer outro clássico do mundo. Os outros jogos entre arqui-inimigos são, de certa forma, banais, repetitivos, a título de ilustração Botafogo e Fluminense, o clássico vovô, assim chamado por ser o mais antigo do país, foi disputado mais de trezentas vezes, uma média de três jogos por ano. Grêmio Ypiranguense e Atlético Guerreiro são raros, e por isso mais especiais, disputaram eles apenas 12 CAGA-GAY’s (todo clássico que se presa tem nome: Gre-Nal, BA-VI, San-São, este não poderia ser diferente) em sua guerra de décadas, sendo que passaram dez anos sem jogar entre si. Isso porque as equipes foram punidas. No seu antepenúltimo jogo, a rivalidade entre as torcidas chegou ao extremo, e elas protagonizaram a maior briga já vista no desporto ireceense. Resultado, foram banidas das competições por dois anos, e quando regressaram tiveram que disputar os torneios de acesso, até chegarem na primeira divisão do município, sendo que nesta trajetória não se enfrentaram. Os cartolas, temendo uma nova carnificina, modificavam os regulamentos para não permitirem um confronto entre estes times, mas na primeira divisão isso foi inevitável. Porém, o efetivo policial conseguiu conter a multidão.
Na última rodada da 1ª divisão do campeonato amador das Caraíbas, Atlético Guerreiro e Grêmio Ypiranguense estavam dividindo a liderança do certame, absolutamente empatdos, mesmo número de pontos, igual quantidade de vitórias, mesmo saldo de gols, igualados em gols pros, contras, cartões, impedimentos, média de público. Ou seja, o desempate seria na rodada final, no confronto entre as duas equipes. O vencedor levaria um troféu inédito para sua galeria, além do gostinho do título ser em cima do maior rival. Mas isso não aconteceu, o jogo terminou como todos os outros entre estes dois times, empatado em 0x0, cada um somou um ponto, e foram superados pelo Toca-Fogo da Boa Vista, que estava a um ponto atrás dos rivais, mas como venceu seu jogo, e estes empataram, terminou um ponto a frente de ambos. Foi uma enorme frustração para os torcedores do Achado. Os dois times do povoado, no que pese a rivalidade, morreram na praia. E ambos ficaram na bronca com o juiz que concedeu apenas dois minutos de acréscimo ao tempo regulamentar, e olha que cabia pelo menos uns cinco, foram muitos os casos de empurra-empurra entre os jogadores, além dos muito atendimentos médicos, causados pela rispidez das jogadas. Talvez com mais tempo alguma das equipes conseguisse o gol e o título. Mas o árbitro foi econômico e os rivais morreram abraçados.
Porém, nem tudo foi motivo de lamentação, o co-vice foi suficiente para que os dois clubes se habilitassem a disputa da Taça Libertadores do Feijão, torneio que reunia os melhores classificados nos campeonatos municipais da região, e Irecê dispunha de três vagas para a competição. Foi um bom consolo para a população do Achado, que envergava orgulhosa as camisetas de seus times. Um lado já provocava o outro, sonhando cada um com a primeira vitória em um clássico, na primeira participação dos dois times numa competição fora da cidade.
E o produto foi melhor que a encomenda, contrariando todas as expectativas e o favoritismo dos campeões de Xique-Xique e Lapão, as duas equipes do Achado chegam a final, que a exemplo do que ocorre nas competições europeias, será disputada em jogo único, no próprio campo do Achado, que receberá arquibancadas tubulares para aumentar sua capacidade.
Tudo muito lindo, as expectativas são as maiores possíveis, e o clima de rivalidade deixa tenso o ar. Os torcedores já estocam fogos e cerveja para comemorarem o tão sonhado título; pintam as casas de Amarelo e Preto, as cores do Grêmio Ypiranguense, ou de Azul, Laranja e Branco, tons do tricolor Atlético Guerreiro. Todos engordam porcos, e cabritos para o churrasco do próximo final de semana. Mas nem tudo é festa. Todo dia são registrados casos de rixa e lesões corporais. A polícia passou o pente fino e apreendeu o grosso das armas de fogo, mas alguns moradores ainda conservam seus trabucos, e sempre se ouvem tiros. Quem não tem mais armas briga com os punhos, facas, paus e pedras. A rivalidade é intensa, vizinhos deixam de se falar, os melhores amigos se tornam inimigos, e até as famílias se separam. Caioca inclusive, foi expulso de casa só porque em sua juventude, jogou de meia-avançado do Atlético Guerreiro, formando com os atacantes Furica e Nô Véi o trio de ouro do Tricolor Sertanejo. Gustinha não queria saber, ela é Grêmio até a alma, Caioca que se lascasse.
Só que os problemas desta grande final não se limitavam as tentativas de homicídio que ocorriam (quase que de hora em hora) nos bares, praças e até nas igrejas do povoado. Sabendo que o pau sempre cantava no clássico CAGA-GAY, nenhum árbitro queria apitar o certame, ainda mais que o jogo seria no barril de pólvora em que se transformara o Achado. Todo mundo tinha mulher e filho, nenhum juiz queria se arriscar.
O presidente da federação municipal não sabia o que fazer. Segundo as regras da competição era incumbência da entidade local organizar a partida sempre que os dois times fossem da mesma cidade. Agora danou-se, ninguém quer apitar essa bagaça. Até aumentou o pagamento do trio de arbitragem. Desesperado ligou pedindo ajuda à confederação regional. Teve seu pleito negado. Dê seus pulos, lhe disseram. O jeito é cancelar, ou pelo menos adiar a decisão. Era isso mesmo, protelaria o baba. Mandou e-mails para os presidentes dos clubes, convocando uma reunião para comunicar o adiamento da partida.
Oxente? Tá doido? Fumou bosta? Onde já se viu adiar uma final de Libertadores do Feijão? O presidente da FIFA (Federação Ireceense de Futebol Amador) estava numa sinuca de bico. Os cartolas das equipes finalistas não queriam o adiamento da decisão por nada. Era muita pressão, estava sozinho para resolver um problema que ninguém queria resolver. Mas ninguém quer apitar a final, argumentou. E por que não apita você mesmo? É isso mesmo, a responsabilidade é sua. Você vai ser o juiz. Pela primeira vez na vida os dirigentes rivais concordaram em algo, o presidente da federação seria o árbitro.
Agora fudeu legal, pensou consigo o hipotético árbitro. Tentava o mandatário ganhar tempo, enquanto pensava numa desculpa para se esquivar de tão arriscada tarefa. Alegou que tinha problemas no joelho e portanto não poderia correr (grande mentira, todo dia malhava de manhã, e a tarde fazia cooper na praça Cleriston para ficar com o cooper feito), deste modo não poderia apitar o jogo, mas os cartolas estava irredutíveis, por fim, teve uma inspiração divina para livrar sua pele. Já que o jogo será no Achado, e os dois times são de lá, por que não escolher um morador local para ter a honra (infortúnio) de apitar a final? É uma boa, concordaram, pela segunda vez na vida, os cartolas rivais. Mas quem seria? Que tal Neco Lino? Ele já apitou antes. Neco Lino???????? Nunca! Aquele cara é auri-negro desde criancinha, vai roubar pro Grêmio Ypiranguense, prefiro Assis Machado. Uma ova, a família dele é toda tricolete. Então Zé Guarabira. Só por cima do meu cadáver. O árbitro ideal é Chico Churupita. Nunca, Manoel Lapiseira é bem melhor. Melhor uma bosta, que tal Eleotério Vargas..., Já chega. Bradou o presidente da FIFA. Não há ninguém que seja neutro? Todo mundo no Achado é adepto de um dos clubes? Não há alguém de lá que saiu muito cedo e que portanto não tem lado nesta grande rivalidade? Os cartolas pensaram um pouco e um deles lembrou-se: tem aquele carinha estranho que estudou em Salvador. O filho do craque Caioca? KKAKAKAKAKAKK, craque Caioca?? Aquilo era o maior pereba, não sei como Dona Gustinha, uma de nossas mais atuantes torcedoras, se casou com este perna de pau. Você ta com inveja, o cracaço Caioca era tão fabuloso que despertou admiração até na sua torcida, e tem mais... Já chega caralho! Vão começar de novo esta discussão besta? Não vem que o tal filho do Baioca..., Caioca Sr. Presidente. Que seja, não veem que o rapaz é a solução? Ele é teoricamente neutro, é filho de um ex jogador do Atlético Guerreiro e de uma torcedora do Grêmio Ypiranguense, não vai roubar para ninguém. Sei não presidente, esse cara é meio esquisito..., E daí, não tem ninguém mais para apitar esta merda de jogo, ou é o tal ou não tem jogo e não tem campeão. Não, não, ta bom, aceitamos. Certo, diz aí como é o nome dele que eu vou já vou mandar ele vim aqui. Acho que o nome é Mateus. Mateus Dourado para ser mais preciso. Ótimo, já temos um arbitro, fim da reunião.
Imediatamente após a reunião, o presidente da federação buscou informações sobre o futuro árbitro, o que não foi difícil, Mateus tem sua vida amplamente exposta nas redes sociais da internet, em meia hora a Federação já sabia todos os dados necessários, inclusive, o endereço de tão nobre criatura, e na mesma noite, visitaram nosso amigo para fazer o convite.
Hum cara, sei não. Nunca apitei antes. Mas, é só um jogo, pense bem, uma oportunidade única. Sei lá, eu sei que o bicho sempre pega nos CAGA-GAY’s..., Oh Mateus! Apita essa porra! Não vê que só você pode por fim a essa situação aqui em casa? Seu pai ta morando no carro, que nem na garagem pode ficar, e quando vai na roça fica discutindo futebol e esquece de ordenhar as vacas, sua Mãe é o dia todo no Achado costurando bandeiras, passando os uniformes do time que ela torce, não arruma a casa e nem faz a comida, ta tudo de pernas para o ar por causa deste jogo. Ta bom Morais você me convenceu, Sr. Presidente vou apitar a final.
O mandatário demorou meia hora para processar a cena que vira, o árbitro da decisão foi convencido a apitar o jogo por seu fantoche, que se chama Morais. Os cartolas tinham razão, o cara é esquisito mesmo, aliás esquisito é pouco, a figura é completamente biruta. Já vi que este jogo vai dar merda. Mas tem o lado bom, os argumentos do boneco Morais foram tão persuasivos que nem foi preciso pagar a Mateus para apitar o jogo. A federação economizou 500 pilas hehehehe.

E eis que chega o grande dia da decisão...
Amigos da rádio Mandacaru FM (que tinha como slogan “Um coice em seus ouvidos”), estamos aqui nos minutos finais da prorrogação e o jogo continua 0x0, parece que vamos ter penaltys. Grêmio Ypiranguense no ataque, Labilá toca para Fogoió, que devolve para o camisa 8, ele tenta passar por Raimundona, mas perde a bola, contra-ataque perigosos do Atlético, Lilinho avança velozmente pela lateral, foge da falta, da uma caneta em Pindobácio, vai até a linha de fundo, faz um cruzamento, bololô na área do Grêmio Ypiranguense, Jurubeba sai mal do gol, a bola sobra para Barro Mole, chutou, vai fazer, vai ser um golaço, Perneta saaaaaaaaaaalva, o zagueiro de uma perna só estica sua muleta ao alto e coloca a bola para escanteio, essa pelota tinha endereço certo...
Tem confusão! Os jogadores do Atlético cercam o árbitro pedindo penalty, o que você acha Armaldo Cesar Lebre? Penalty claro, o jogador fez um movimento com o braço, valendo-se da muleta para tirar a bola. Você concorda craque Beto? Claro que não Juliano do Vale, a muleta substitui a perna, e portanto lance legal, baita salvada (merece seleção). Mas ele fez o movimento com o braço..., e o juiz deu penalty!!!!!!!! Agora são os do Grêmio que partem para cima do árbitro, mas parece que o juiz os convenceu e se acalmaram..., vamos saber com nosso correspondente no gramado o que o juiz decidiu, é com você Ludemberg Berg.
Juliano, o juiz tem o mesmo entendimento do craque Beto, a muleta substitui a perna, mas deu o penalty por que Perneta levantou a muleta muito alto na altura da cabeça de um jogador adversário, e portanto jogo perigoso, penalty e cartão amarelo para Perneta. Sáááábia decisão do árbitro, nem Salomão pensaria numa dessas, deu um jeito de marcar o penalty e não desagradar totalmente a outra equipe.
Rosicleudo se prepara para a cobrança, pode ser o gol do título, o tento da primeira vitória em um clássico CAGA-GAY, conta cinco passos para trás, vem correndo, vai desferir uma patada..., BUM!!!!!!!! O que é isso minha gente????????? Antes que o jogador batesse o penalty deram um tiro na bola. Pelos bigodes do profeta. Onde esta a polícia? De onde veio este tiro Ludemberg Berg Berg?
Juliano do Vale, parece que o tiro quem disparou foi uma torcedora do Grêmio, a polícia já esta apreendendo a arma, segundo o capitão é um mosquete do século XVIII..., peraí, chegou a informação que a autora do disparo é a mãe do árbitro. E tem mais Juliano, ela estourou a única bola do jogo, não vai ter mais penalty.
Pelos pentelhos do profeta! Uma torcedora atira na bola. Eu nunca vi isso. E ta tendo mais confusão nas arquibancadas. A torcida do Atlético inconformada começa a atirar objetos no gramado. Há atrito na zona de contenção, torcedores tentam chegar nos adversários, uma tragédia se anuncia...
Juliano. Fala Ludemberg Berg Berg Berg. Acabei de ter a informação que vai ser sim batido o penalty, o arbitro vai aproveitar um coco que a torcida jogou no gramado e usá-lo como bola. Pelos cabelos do sovaco do profeta, que ideia de jerico, qual é sua opinião craque Beto? Pô Juliano, ta de brrrrrincadeira, mas não tem jeito, vai ter que bater o penal com o coco mesmo. Pode isso Armaldo? Bem, a regra não fala sobre o que deve ser usado como bola, faz menção apenas às dimensões e pesos da mesma, e daqui me parece que o coco se enquadra nos padrões.
Então vamos lá, ta tudo preparado, bola, digo coco, na marca de cal, o goleirão Jurubeba concentrado, partiu Rosicleudo... NA TRAVEEEEE! O potente chute do craque atleticano acerta o pau, a torcida do Grêmio Ypiranguense vai a loucura, mas peraê..., o arbitro ta apontando o centro de campo..., ele deu Gol. Pelas sobrancelhas do profeta, como pode isso Armaldo? Bem, quando o coco bateu na trave se partiu em dois, uma parte foi para fora e a outra entrou no gol. Oxente, então é meio gol, so entrou metade do coco na balisa. E é isso mesmo craque Beto, o repórter Ludemberg Berg Berg Berg Berg acaba de confirmar que o árbitro deu meio gol e encerrou a partida, já tem inclusive a informação na súmula.
Pelos cabelos do lobiscú do profeta, o Clube Atlético Guerreiros do Achado, o glorioso CAGA, é campeão vencendo o seu arqui-rival pelo placar mais apertado da história ½ x 0 (meio gol a zero), e o capitão se prepara para erguer a taça, mas os jogadores do Grêmio Ypiranguese, querem bater no árbitro, a confusão ta formada, o bicho ta pegando, eu vou sair daqui, fui...




sábado, 28 de setembro de 2013

Carta de Caioca a Mateus.



Irecê, 24 de março de 2001

Querido Teteu,

            É com muito orgulho que vejo o caçula dos meus rebentos abrir asas e alçar voos. É parte importante da formação de um homem a saída de casa para encarar a vida lá fora. Sinto tantas saudades de ti, mas sei que tem seus sonhos e objetivos, deve pois ir buscá-los. Sei que irá conseguir, mas não posso deixar de me preocupar, todo pai se preocupa com os filhos, ainda mais se o filho possui defeitos, digo características, tão marcantes, como as que você tem. Destartes, não pude me furtar a dar alguns conselhos.
            Em primeiro, sei de suas dificuldades obrativas quando encontra-se em banheiros estranhos. Confesso que nunca entendi esta frescura de suas tripas em recusar-se a evacuar numa privada nova, mas quero hoje ajudar e não criticar. Então, se tiveres muito entupido, recomendo fazer uma vitamina de mamão bem maduro, adoçada com mel legítimo, e uma pitadita de nada de leite de magnésia. Funciona muito bem com as vacas lá do Achado, as vezes eles comem muita fruta de palma. Tadinhas! Porém, se isto não resolver, lambuze seu orifício de excreção com um pouco de vaselina para lubrificá-lo. Creio que algo que sirva para facilitar a entrada possa servir para facilitar a saída.
            Quero alertar também para seu comportamento. Irás para uma cidade grande, de modos e costumes diversos dos daqui. Não deve se exaltar muito na presença de estranhos. Podem tentar aproveitar de ti. Quando encontrar alguém diga bom dia, como vai, até logo. Nada de "oizinhos", "alozinhos", "tchauzinhos", e quaisquer outros "inhos". Se comporte! Se possível, se comporte como macho. Também evite estas conversas sobre fadas e duendes, desenhos animados do tempo do ronca, chocolates que não são mais fabricados, e toda essas coisas dos anos oitenta. A sua aparência transmite a ideia de que és maluco, se falas nestas coisas terão certeza disso. Não quero te ver internado num sanatório.
            Me preocupo com a carreira que escolheu, dizem que o mercado para filosofadores (é isso que irás estudar?) esta restrito. Não quero frustar-lhe, nem te obrigar a nada, mas caso queiras regressar e estudar para outro curso com mais futuro, lhe receberemos de braços abertos. Ademais, ontem vi um anúncio de emprego e lembrei-me de você. Era um bom cargo; vi na vitrine da loja de eletrodomésticos que precisavam de um gerente, remuneração inicial de mil e seiscentos reais, mais comissão. Bom, não acha? No fim do cartaz, ainda tinha uma observação que me encheu de esperanças, assim dizia “observação: inútil apresentar-se sem referências”. Como você sempre foi um inútil e nunca teve referência alguma é o candidato perfeito ao emprego. Pense bem nesta possibilidade.
            Anexado com o clipe está uma foto de minha pin-up favorita, Gina Lollobrigida. Verás que bela pernas esta pequena tem. Será útil nos seus dias de solidão. Agora não conta para sua mãe viu? Será nosso segredinho. Também ia te mandar uma nota de cem, para aquela cervejinha do sábado, mas não o fiz por que já fechei o envelope. "Ô rapái", que pena! Só depois que coloquei a carta no correio que fui me lembrar do dinheiro.
            No mais, aqui está sem novidades.


Um grande abraço de seu velho pai.
Atenciosamente e saudosamente,

Caioca.

            

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Em meu peito pulsa uma Cruz de Malta

Em meu peito pulsa uma Cruz de Malta


Por DANIEL PABLO
Direitos Reservados

Neste espaço criado para homenagear (sacanear) nosso nobre amigo Mateus, não poderíamos deixar de tecer algumas linhas sobre uma de suas maiores imperfeições, digo característica, a sua paixão pelo Clube de Regatas Vasco da Gama.
O menino Teteu se encantou pelo clube da Cruz de Malta no final de 1989, ano em que o Gigante da Colina conquistou seu segundo título nacional. Mateus não assistiu ao jogo decisivo em que o Vasco bateu o São Paulo em pleno Morumbi, mas se apaixonou quando viu nos dias seguintes as pessoas envergarem orgulhosas a camisa cruz-maltina, assistiu as reportagens na televisão, se deslumbrou com a história do time. Nascia aí uma grande paixão.
No ano seguinte, o narigudo passou a assistir a todos os jogos de seu novo amor, acompanhou em detalhes a campanha da equipe no campeonato carioca de 1990, e que bela campanha, o Vasco chegou a final como favorito, e Mateus estava lá, olhos vidrados e brilhantes, grudados na telinha, ansiando por assistir pela primeira vez uma conquista de seu time, mas, Gooollll do Botafogo! O Fogão ficou com a taça este ano. Mas Mateus não desanimou, muitas conquistas virão pensou ele.
E as conquistas realmente aconteceram. Nos anos seguintes o Vasco conquistou pela primeira vez três títulos seguidos, foi tri do carioca em 92/93/94. Só que Mateus não pode acompanhar os jogos decisivos desses triunfos, as finais são jogadas no domingo, bem no horário do novo programa de Silvio Santos, o favorito de Dona Gustinha, e como na casa só tinha uma televisão, e Caioca monopolizava o rádio escutando Tonico e Tinoco, só restou a nosso herói se deleitar com as vitórias nos dias seguintes, assistindo aos debates futebolísticos de meio-dia.
Mas o tempo passou a família prosperou e em 1996 conseguiram comprar uma segunda televisão. Que maravilha, agora Mateus vai conseguir ver ao vivo um título do Vasco, só que Gooollll do Flamengo. A taça foi para a gávea. Mas não tem problema, muitas conquistas virão, e com dois televisores Mateus vai assistir a todos os jogos.
Ano seguinte, o Vasco tinha um timaço, Edmundo estava no auge, e tinha vencido o primeiro jogo da final do carioca. Mateus estava confiante, tinha comprado um K-7 do É tchan  e já tinha ensaiado a dança da bundinha para comemorar mais este título, mas Gooolll do Botafogo!  A taça foi para General Severiano. Mas não tem problema, outras conquistas virão.
No mesmo ano, o cruz-maltino chegou a final do brasileirão. O animal tinha se sagrado o maior artilheiro em uma edição da competição, e iria jogar a final, mesmo tendo sido expulso no jogo anterior. Mateus estava muito confiante em frente a telinha, mas rola bola e a imagem e som desaparecem. "Oxi, a TV pifou? E justo agora, na final do Brasileiro, essa porra vai dar defeito! Que merda"! Irascível, Mateus, igualzinho ao Sr. Madruga, derruba o televisor no chão e o espatifa em mil pedaços. Após este ato alguém avisa que faltou luz. Quando esta volta Mateus ainda tenta ir na casa de Duca assistir o segundo tempo, mas Gustinha o deixa de castigo por ter destruído a televisão. Só no dia seguinte Mateus descobre que o Vasco foi campeão brasileiro. Mas não tem problema, outras conquistas virão.
E veio a maior delas, o Vasco chega a final da taça libertadores, e no ano do seu centenário, 1998. Foi um ano maravilhoso, muitas reportagens especiais sobre a história do clube, bela trajetória que chegaria ao ápice numa noite de quarta feira, com a conquista da América, e Mateus estava lá, prontinho para assistir. Mas a emoção foi muito grande, nosso amigo teve um ataque histérico, precisou ser sedado e passou uma semana numa clínica de repouso. Quando voltou, Caioca teve o maior cuidado em dar a notícia da vitória para o filho. Uma pena ele não ter assistido a esta final, mas não tem problema, vem aí o mundial, e essa conquista Mateus irá assistir.
E assistiu mesmo, nos meses em que antecederam o torneio intercontinental Mateus fez terapia com psicólogos, fez uso de calmantes (dizem que usava gardenal), se preparando para acompanhar a conquista máxima de seu clube do coração, só que Gooolll do Real Madrid. Não foi desta vez que o Vascão conquistou o mundo, mas não tem problema outras conquistas virão.
Mateus demorou mais de um ano para se refazer da derrota para os Madrileños, mas recobrou o ânimo com a chegada do Vascão em mais uma final, desta vez, em um mundial de verdade, com representantes de todos os continentes, organizado pela FIFA, e a decisão ia ser no Rio de Janeiro, casa do Cruz-maltino, chupa Real Madrid. Porém, Edmundo bate um penalty bisonhamente e o título fica com o Corinthians. Mas não tem problema, alguma conquista virá.
No final do ano 2000, o narigudo assistia desolado ao baile que seu amado Vasco tomava do Palmeiras na final da copa mercorsul. Era muita humilhação, ser tri-vice no mesmo ano, antes já tinha perdido o Mundial Fifa para o timão, e o carioca para o Flamengo. Não pode mais assistir, assim que o Verdão fez 3x0 desligou a TV e foi chorar na cama. No mesmíssimo instante que Mateus desligava a TV o Vasco marcava o primeiro dos quatro gols que faria, protagonizando uma virada espetacular em 15 minutos, ganhando o jogo (4x3), o título e a alcunha de time da virada. Mateus só soube disso uma semana depois.
No inicio de 2001, Mateus já ciente da super virada contra o porco, assiste empolgado aos primeiros lance da decisão entre Vasco e o surpreendente São Caetano, mas a televisão fica muda e sem imagem novamente. "Que merda, toda vez que o Vascão ta na final do campeonato brasileiro falta luz". O jeito é esperar a energia voltar. Só que desta vez não faltou luz, foi a televisão que pifou. Mas Mateus não sabia disso, ficou lá sentando esperando duas horas em vão e energia ser restabelecida. Só depois que acabou o jogo foi que ele percebeu o engano. Ainda conseguiu ver as derradeiras imagens da volta olímpica do Vasco, na outra TV. Uma pena não ter assistido a mais este título. Mas não tem problema, outras conquistas virão.
No mesmo ano, Mateus vibra e canta com a vitória diante do maior rival que ele assiste pela televisão, faltam poucos minutos para saltar o grito de campeão carioca, brado entalado em 99 e 2000. "O Vasco é o time da virada, pode perder duas finais seguidas, mas três? Nunca". Porém, gooollll do Pet! O Flamengo é campeão! O narigudo quase teve outro ataque histérico. Mas não tem problema, talvez alguma conquista aconteça.
Em 2003 o Vasco chega mais uma vez a final de um campeonato carioca, desta vez contra o Fluminense, que naquela época era uma bosta. O título tava no papo, mas Mateus não pode assistir a este triunfo, no outro dia tinha prova final, teve que abdicar do jogo. Ou passava na avaliação ou perdia na matéria, disciplina que era pré requisito para outras três do semestre seguinte. Teve que optar, pelos estudos, não viu seu time ser campeão do Rio pela 22ª vez. Mas não tem problema, outras conquistas virão.
Em 2006, o Gigante da Colina chega pela primeira vez a uma final de Copa do Brasil, e mais uma vez contra o arqui-inimigo. Mateus esfrega as mãos de prazer enquanto assiste ao jogo. Iria se vingar dos flamenguistas que ficavam lhe pirraçando. A mais de vinte anos que o seu time não perde um decisão nacional. "Ganhar carioqueta é fácil, quero ver ganharem do Vascão em brasileiro ou em CB". Mas ganharam. Gooollll do Flamengo, e vice de novo. Mas não tem problema, o importante é competir.
Nos anos seguintes, os resultados do Vasco foram pífios, nem em finais de turno do carioca o time conseguia chegar. Mas a paixão mantinha-se inabalável. Foi nesta época de vacas magras, que Mateus conseguiu realizar um dos seus maiores sonhos: ter uma camisa oficial do Vasco. Em 2008 nosso herói compra pela internet a tão sonhada camisa do seu querido clube, no mesmo ano o Vascão é rebaixado pela primeira vez em sua história.
Mas, o sentimento não pode parar, a massa cruz-maltina  não abandou o clube, e com este apoio das arquibancadas o Vascou venceu a segunda divisão e voltou para a elite. Só que Mateus não acompanhou esta heroica epopeia, por recomendações médicas foi proibido de assistir aos jogos. O rebaixamento foi demais para ele.
Com o Vasco de volta a primeira divisão, Mateus se restabelece dos nervos, e agora com todos os recursos tecnológicos possíveis para acompanhar seu time do coração: dois televisores, com TV a cabo, PFC, computador, not-book, net-book e celular com internet, além de um radinho de pilha já sintonizado na emissora que transmite futebol, não tem mais como perder um lance. Agora, nada pode impedi-lo de assistir as conquistas do Vasco, e ele assiste, nos mínimos detalhes, a todas elas:  vice da taça Guanabara 2010, vice da taça-rio 2011, vice carioca 2011, vice brasileiro 2011, vice da taça Guanabara (de novo?) 2012, vice da taça-rio 2012, vice carioca de 2012, vice da campeonato de peteca, vice da....
- Êpa! Paratudo! Paratudo!
- Paratudo uma hora dessas Mateus? Não ta cedo demais para encher a cara?
- Não tou falando da bebida, tou mandando você parar tudo o que ce ta escrevendo.
- Mas por que? Tou escrevendo alguma mentira?
- Não, mas ta omitindo a ultima conquista do Vascão. Você so fala vice, vice, vice...,
- Ih, é mesmo, com tanto vice tinha me esquecido deste título. Perdão Mateus, irei falar dele agora.

E eis que em 2011 o Vasco volta ao lugar mais alto das competições nacionais com a conquista da Copa do Brasil, e Teteuzinho estava lá, em frente a telinha, acompanhando pelo lance a lance da internet, e com o radinho de pilha sintonizado na transmissão do jogo. Mateus está lá na sala de sua casa assistindo aos primeiros minutos da partida quando houve uma pancada na janela. Se assusta, outro golpe e a janela se abre adentrando por ela uma homem encapuzado e todo vestido de negro. Apavorado nosso herói tenta fugir pela porta, mas é impedido por dois outros homens, igualmente encapuzados, que por ela entravam. “O que isso? Estão me sequestrando”. Mateus tenta se desvencilhar das mãos que o agarram. Mas são três contra um. O jeito é gritar, pedir ajuda, mas antes que pudesse fazer isso, lhe dão uma injeção de sedativos. O narigudo apaga.
Duas horas e meia depois Mateus acorda. Não sabe onde está. Abre os olhos e nada enxerga. Há um saco em sua cabeça. Seus braços e pernas estão amarrados. Consegue apenas ouvir o celular de um dos seus captores que toca:
- Alô! Chefe!?
- Sim, sou eu. O jogo já acabou, ganhamos a copa do Brasil, podem soltar o pé-frio.
- Ok seu Eurico, vamos liberar ele agora.




sexta-feira, 13 de setembro de 2013

O Jogador - II


por Daniel Pablo
Direitos reservados


A vitória no poker foi o momento máximo de sua vida, extasiado, Mateus se sentia no Nirvana, sentia seu corpo flutuar enquanto voltava para sua casa, o sol se levantava no oriente, e sua luz doirava todas as coisas. Esse foi o alvorecer mais dourado que se viu, tudo os que seus oclinhos de tartaruga viam, reluzia a sua riqueza, sua embaçada estrela finalmente brilhava. Entrou em sua casa, descuidado e distraído, mas estava tão leve que não vez o mais leve ruído. Deitou-se em sua cama, olhava o teto e apesar de ter passado a noite em claro na jogatina, não conseguia dormir, e nem estava cansado. Ficou devaneando durante as primeiras horas da manhã, lembrando-se dos feitos de tão memorável noite, na sua mente notas, moedas, fichas, cartas e um número: 6.127, dançavam. Esses algarismos eram o premio de Mateus ganhou no jogo, incríveis seis mil, cento e vinte sete reais. Para quem quase teve uma epifania com dez contos, alguns milhares era como ganhar na loteria, ainda mais que fora uma conquista e não uma esmola. Sentia-se poderoso.
Seus devaneios foram interrompidos pelo grito histérico de Carla:
- Mãinhaaaaaaaaaaaaaaaaaaa! Mateus não chegou em casa!
Mas, Mateus não estava tranquilamente em sua cama, saboreando os louros da vitória? Sim estava. Mas Carla ainda não tinha entrado no quarto, para ela o irmão ainda não tinha regressado, pois sempre que este volta das bebedeiras faz muito barulho, tem dificuldades de abrir o cadeado, demora a acertar o buraco da fechadura, já na sala, esbarras nas coisas, e no banheiro chama Raul, emporcalhando tudo. Só que esta amanhã a casa está em ordem e o banheiro limpo. Só pode concluir a moça que seu mui querido irmão foi sequestrado, soltando o berreiro por isso:
- Mateeeeeeeeeuuuuuuuuuuussssssss onde estaaaaaaiiisssssssssss ??
O escândalo traz Mateus de volta a realidade, e o aborrece muito. Sai do quarto com cara de mau, de meter medo até nos brutos do Vegas Bar, e da uma enquadrada na irmã:
- Qualé? Qual foi? Que gritaria é essa? É para ficar caladinha viu?
Carla impressionada com a atitude e o timbre de voz de Mateus baixa as orelhas e se recolhe. Os pais de ambos presenciam a cena e se alegram muito, finalmente vêem o filho caçula agir como um homem adulto. Ele é nova criatura agora, nesta manhã ensolarada está mais calado, compenetrado, não ri muito, está mais lacônico, não reclama e não pede nada.
Mas sai pelas ruas e se enche de alegria, saltita pelas calçadas e da bom dia as flores. Precisa urgentemente comemorar, mal chega a noite se dirige ao restaurante mais sofisticado da cidade. Pede as mais finas iguarias e o mais caro champanhe. Paga uma rodada de rum para todos os presentes, e estes saúdam o novo rei da noite. A confiança e o brilho de nosso herói reluzem mais que a taça de cristal que segura, contendo ela um bom vinho do porto. Convida garotas para sua mesa, mas sua postura é outra, e as damas aceitam, janta agora em ótima companhia. Conta suas façanhas com as cartas, impressiona suas novas amigas. Ao final da ceia, escolhe uma e vai para o mais luxuoso hotel, mas antes deixa rechonchuda gorjeta para o taxista que o conduzira. Na hospedaria exige a melhor suíte. Do serviço de quarto, ordena canapés, caviar e mais champanhe. Tem uma noite de delícias, a bela moça e lhe dar uvas na boca, enquanto acaricia seu corpo. Come, bebe, e come (agora a mulher) muito bem. Dorme num confortável colchão de molas, parece que está deitado em nuvens, e uma doce brisa lhe alivia o calor, é a rapariga que sopra seu rosto enquanto sonha. E sonha com cascatas de cachaças cristalinas, sonha com bordeis encantados, onde as putas são as quatro damas do baralho, e todos os móveis são de marfim, homenageando as pedras de dominó. Sonha com fontes em formatos de virgens, e das suas bocas jorram líquidos diversos, mas nenhuma delas é água, e sim os mais sublimes álcoois, nunca havia experimentando tão saborosos whiskies, nem encorpados conhaques, nem tão cremosas cervejas, nem tão forte ParaTudo. Acorda no outro dia, pela primeira vez nos braços de uma bela moça.
Está decidido, experimentou um pouco do céu, não pode suportar mais a dura realidade, precisa desfrutar perpetuamente as delícias da vida, e já tem os meios para isso. Voltará as mesas de jogo, e jogará mais alto. Os neurônios do homem normal anunciariam que os riscos são muito grandes, a sorte das cartas sorri com escassez. Para a maioria apenas uma vez. Nos jogos de azar, os ganhos são acontecimentos, mas perder, rotina. Mas Mateus está fora de si, quer desfrutar de novo é que lhe foi negado por tanto tempo. Volta ao Bar, mas desta vez foi diferente.
Está tão confiante que esquece até de roubar, única vez que isso aconteceu na vida, e aposta com arrojo. Nas primeiras partidas até que é bem sucedido, mas conforme a noite avança, os adversários mais fracos são eliminados restando apenas jogadores experientes, e aí a maré muda. Mateus começa a perder dinheiro sistematicamente, há momentos em que pensa em desistir, e poupar o que ainda lhe resta, mas ganha uma partida e recobra o ânimo, neste ritmo vai até chegar novamente a mesa final, com apenas quatro campeões disputando o título supremo da noite.
Nesta decisão, novamente está o rival derrotado de sua primeira glória, e desta vez ele está disposto a ir a forra. Dos quatro finalistas, Mateus é o que possui menos recursos financeiros para apostar, e o revanchista o que possui mais. Com tanto recursos ele manobra o jogo, eliminando outra vez os dois outros concorrentes, mas deixando Mateus para o gran final. Como da primeira vez, faz grande aposta e exige que nosso herói a cubra, mas este não tem a grana suficiente (nem há cartas no chão que possam mudar sua sorte) explica o fato e pede clemência.
Uma sonora gargalhada geral ecoa pelo salão de jogos. Alguém lembra ao narigudo as regras da casa, na mesa final apenas um pode sair com tudo, e o adversário não tem tudo ainda, restam ainda alguns trocados com Mateus. Mas essa quantia não é suficiente para cobrir aposta. Tenta argumentar. A risada agora é sinistra, os brutamontes se aproximam tenebrosamente do nosso herói.  Regras são regras meu caro novato, dê seu jeito, aqui não gostamos de quem não segue as regras (ah se eles imaginassem o que Mateus vez na primeira noite que veio ao cassino). O suor frio escorre da testa do quixotesco filósofo, sente um pisão de toneladas no seu pé, uma mão grossa e cabeluda lhe aperta o ombro, dói muito, sente uma baforada de fumaça de cigarro na cara, alguém lhe apaga um charuto no braço, está preste a virar picadinho se não cobrir a aposta, mas não há como fazê-lo. E agora?
- Novato, tu não tem nada de valor contigo que possa lançar a mesa? – pergunta-lhe o adversário.
A indagação foi um alento, prontamente os ferrabrases se afastam, e Mateus saca um celular.
- Isto é suficiente? – pergunta ao outro jogador.
- Não.
- Mas ele é moderno, tem muita memória, você pode armazenar muitas músicas e usar uma diferente a cada chamada – tenta valorizar seu objeto, é a única coisa de valor que possuí.
- É um bom celular – comenta um dos que assistem a partida.
- Mas não é suficiente – sentencia o adversário.
- Mas ele tem muitas musiquinhas legais, saca só – Mateus insiste, e acionar o celular:
mexe, mexe, mexe com as mãos chiquitas
Mexe, mexe, mexe  com os pés chiquititas ...”
Nunca o ditado “em boca fechada não se entra mosca” ou ainda, “é melhor ser mudo do que falar besteira”, se aplicou tão bem em uma situação. Só mesmo um Zé Ruela para tocar chiquititas no bar mais barra pesada do interior da Bahia. As consequências não tardaram a aparecer:
- Esse teu “celugay”, novo e ainda na garantia vale uns trezentos paus, mas tocando esta merda de música não vale porra nenhuma, joga esta bosta na mesa, e mais tudo o que você tem, e ligeiro se não quiser ficar sem os dentes – ameaçou o bar-man caolho, já com um soco inglês na mão direita.
Mateus esvaziou seus bolsos, colocou o celular, um calendário, a imagenzinha de Santo Antônio, uma camisinha, um halls preto e um botão. Não foi suficiente para cobrir a aposta, os caras do cassino se aproximaram novamente, desta vez já com canivetes, e um deles portando um revolver. Será o fim do nosso amigo?
- Tira a roupa e bota na mesa – ordenou o adversário.
Mais uma vez Mateus foi salvo pelo gongo. Ainda tentou argumentar dizendo que estava frio, mas lembram-lhe que ou cobria a aposta ou dançava. Prontamente tirou suas vestes e pós na mesa.
- Ainda não cobriu a aposta.
Mateus quase chora com essa. E agora tou fudido, pensou. Começou a rezar e se arrependeu profundamente do dia em que inventou de jogar apostado. Tentou ainda uma última suplica:
- E..., e... eu nã-nã-não tenho mais nada.
- Ainda tem uma coisinha que eu quero, hehehehehe.
Ai meus Deus, essa cara quer que eu aposte meu furico. Foi o único pensamento de nosso amigo, estava quase a desmaiar diante de tão terrível perspectiva, mas o adversário lhe esclareceu.
- Não é nada disso que você esta pensando, eu quero é sua cueca, põem essa ciroula na mesa, e eu considero a aposta coberta.
Sem escolhas, nosso herói tirou o ultimo trapo que cobria seu corpo, ficou nu em pelo, no meio de tantas pessoas de má índole, maior humilhação impossível. Mas dentro de si, ainda mantinha uma esperança, ainda jogaria uma partida. Quem sabe não ganho e recupero minhas roupas? Se vencesse, levaria também a pequena fortuna apostada pelo adversário. Por que não ter esperanças?
E as esperanças se converteram em quase certeza quando Mateus olhou suas cartas, um double kings e um triple As, nem precisaria comprar cartas. Um riso safado se formou em seus lábios. O adversário estava de cenho preocupado. Comprou uma carta, mas seu semblante não melhorou. Agora a certeza de triunfo se concretizou. Que noite emocionante, de tamanha reviravolta, estava prestes a perder tudo, agora já sente o gostinho de champanhe na boca. Alguém lá em cima gosta dos professores de filosofia.
 O outro cara ainda pensou em desistir, mas foi lembrado das regras pelos demais presentes. O narigudo não conseguia se conter, se levantou e freneticamente sapateava. Mostrou suas cartas enquanto dizia:
- Chuuuuuuuuuuuupaaaaaaaaaaaaaaa babaca! Se fudeu legal! Uuuuuuuuuuuuuuuuuuiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii ! Adorei essa sua cara de bunda. Otário!
Só que era cedo para cantar vitória, enquanto Mateus esperneava e desmunhecava (e fazia tudo isso pelado), o adversário, com a tranquilidade dos vencedores veteranos, expunha o seu Royal Flush de copas. A sequencia mais poderosa do pocker. Ato continuo, todos os presentes começaram a rir.
- Esse cara é mesmo um palhaço, né galera? – Mateus ainda quis tirar onda, supondo que todos riam com ele do adversário derrotado.
- Cara, palhaço és tu. Aprende uma coisa, nunca comemore antes de ver as cartas dos outros. Nunca ouviu falar em blefe?
Estavam na verdade rindo dele. Mateus olhou as cartas do seu rival, viu o full house, mal pode acreditar. Perdeu tudo, o dinheiro, a morenaça que traçaria mais tarde, o White Horse, o celular (substituto daquele que despedaçou por cauda de Carla), as roupas e a dignidade. Foram muitas frustrações para uma noite só, seus nervos não aguentaram. Desmaiou.

Acordou meia hora depois, um cão vira-lata lambia-lhe a cara. Onde estou quis saber? Estava dentro de uma lata de lixo, no meio de um terreno baldio, só com a cabeça de fora. O que aconteceu? Ainda estava zonzo. Perto dali, em um bar gargalhavam. Viram só a cara daquele abestalhado quando descobriu que perdeu a aposta? Mais risadas. Agora lembrou-se do que aconteceu. Ainda estava perto do Cassino, zombavam dele. Levantou-se para ir para casa. Ainda estava nu. Os malditos não tiveram pena de si, o despejaram como veio ao mundo, e assim terá que andar pelas ruas da cidade. Pelo menos um pano de chão para se enrolar. Nem isso lhe deram. Muita malvadeza. Agora o que resta é ir para casa. E quão diferente é esta caminhada. Na primeira vez que regressou da casa de jogos, andou de peito aberto sob a luz do sol, e o mundo parecia lhe sorrir. Hoje, anda cabisbaixo e encolhido, busca as últimas sombras da noite que se encerra, envergonhado de sua nudez. Melancolicamente regressa ao lar. 





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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Mateus, o jogador.

        Os seus dias se arrastavam modorrentos e enfadonhos. Era um típico exemplar da nova geração Nem-Nem: nem trabalha, nem estuda. Mas não é assim por opção, já concluiu a faculdade, mas ainda não arranjou emprego. Tem tentado, mas para professor de filosofia as vagas são escassas.
         E neste marasmo vai passando suas semanas, sem emprego, sem dinheiro, sem estudo, sem rotina, sem perspectiva, e sem namorada. Os “nem’s”, ou “sem’s”, de sua vida são muitos, mas o que mais lhe angustia, é o último, o sem namorada. Todos os outros “sem’s” busca suprimir com o intuito de extinguir o principal; enxerga diploma, emprego e dinheiro, não como fins, mas meios em sua busca pelo amor.
          Aliviava-se da solidão frequentando a zona da cidade, não é um inveterado frequentador de cabarés, mas ia com uma certa rotina, a cada 30, 45 dias visitava um prostíbulo. Mas até isso está difícil, não tem mais dinheiro. Logo quando chegou, magro e com um canudo enfiado (calma Duca) no bolso, ganhava uns trocadinhos do velho pai, coisa pouca, mixarias iguais as que as crianças recebem para comprar balas. Ele as juntava por semanas até ter algumas dezenas de reais para gastar com as putas. Agora os agrados pecuniários cessaram-se, seu genitor, incomodado com sua vagabundice, fechou-lhe a carteira, fechando-lhe também as pernas das raparigas.
         Seu único consolo é beber, e isso quando acha quem lhe pague uma dose de ParaTudo. Bebe quando pode, e não quando quer. É quase um mendigo. Para sua vida não vislumbra solução. O que lhe resta é perambular sem rumo pelas noites de sexta e sábado torcendo para encontrar um conhecido em algum bar, e que este o convide para beber. E numa destas noites vadias, encontra seu velho amigo Bad Boy em uma mesa de sinuca. Foi uma feliz coincidência, Bad estava com uma garrafa de Montila, mas precisava de um parceiro para um desafio de tacos valendo 50 pilas.
 - E awe Mateus – cumprimenta o camarada.
- Beleza Bad! O que está fazendo? – pergunta Mateus.
- Jogando sinuca apostado. A proposito quer ser minha dupla nessa partida?
- Cara, não sou muito bom. - Relaxa, pode deixar comigo, já rapilei todo mundo aqui no bar, agora só querem jogar parceirados, portanto preciso de você só para fazer número.
            Dito e feito. Mateus errou todas as suas tacadas, mas a habilidade do colega saneou suas mancadas e venceram o certame.
          Ao receber o pagamento da aposta, Bad Boy presenteou o parceiro com dez reais. Foi uma noite satisfatória para o Bad, e de muita alegria e júbilo para Mateus, que ha seis meses não segurava uma nota de dez.
         Só que os efeitos da noite não se resumiram ao contentamento com o dinheiro ganho, uma ideia se encaraminholou na cachola de Mateus: jogar apostado. Isso pode ser arriscado, se alertava as vezes. Mas não há outra alternativa, igualmente se encorajava. Estava duro, e pressionado pela família a conseguir alguma coisa. Ademais, estava em crise de abstinência, a muito não dava umazinha. Resolveu-se por fim, jogaria todas as suas fichas no jogo apostado. Mas em qual jogo? Sinuca era um desastre. Para dama precisaria de inteligência. Xadrez não se joga apostado. Gamão ninguém joga na cidade. Restavam dominó e baralho, os jogos mais praticados no município, e que segundo o amigo Bad, eram os que se apostavam as mais altas quantias. Decidiu-se por estes. Mas não ia aventurar-se sem estar preparado. Durante duas semanas dedicou-se a aprender todas as artimanhas das cartas e pedras. Pesquisou as regras, origens, e jogadas; baixou programas que simulavam as partidas, jogou contra o computador e on-line. Em quinze dias se sentiu preparado, e partiu para o pano verde.
          Com um capital de apenas 5 reais (os outros 5, dos 10 que o amigo lhe dera, deixou em casa) fez sua estreia no mundo ilegal dos jogos de azar, numa roda de palitinho composta por esmolés. Cinquinho era muito pouco, até mesmo para as mesas de dominó e baralho das piores espeluncas, depois de ter sido ridicularizado em três biroscas, restou-lhe jogar na rua. Mas, teve sorte. Apostou seus cinco reais, contra uma coxa de frango de um mendigo e um sapato furado de um doido, e ganhou! Começou com o pé direito. Alguns indigentes começaram a apostar seus parcos recursos financeiros (centavos), e Mateus arrebatou todos. Ao final, teve um saldo de 3 reais, 65 centavos, uma garrafa com dois dedos de pinga, um cigarro já meio fumado, um boné, um calendário, um jornal de velho, uma coxa de frango, dois pães mofados, um penico e um pé de sapato chulerento. Levou seus troféus para a casa, mas não pode coloca-los na prateleira do quarto como tencionava.  Sua família não permitiu que semelhantes porcarias entrassem na residência.
         O sucesso da noite anterior animou-lhe mais, e decidiu desta vez levar todo o dinheiro que possuía, R$ 13,65, era ainda pouca para as rodas de prestígio mediano, mas suficiente para pelo menos uma mão de baralho no Botequim Ponta de Rua, biboca mal-encarada localizada na rua do Pau Rodou. Novamente foi bem sucedido, ganhou sessenta reais. Estava satisfeito, pensou em ir num brega de 4ª categoria e se esbaldar, mas desistiu da ideia. Um cabaré de nível quatro custaria todo o lucro da noite, queria guardar uma parte do dinheiro para futuros “investimentos”, foi então num já conhecido seu prostíbulo de 6ª classe.              Mateus acordou no outro dia como um novo homem, ou melhor, pela primeira vez na vida se sentiu macho. Tinha ganhado seu próprio dinheiro, não teve que pedir a ninguém, batalhou, arriscou e foi recompensado, e para comemorar, fez o que quis. Ainda lhe sobraram R$ 31,45, dava para ir jogar no Vegas Bar, o cassino ilegal mais frequentado da cidade. Tinha ciência que causaria de início má impressão, iria na casa de jogos mais afamada com pouca quantia, o suficiente para duas fichas, e um copo de água. Mas foi.
        Como previsto, ao entrar no recinto chamou logo a atenção. Era um ser totalmente diverso naquele ambiente. O cassino tinha a aparência de um boteco comum, mesas de plásticos com logotipo de cervejas, nas paredes posters de mulheres nuas e uma flâmula do Botafogo F.R. Os clientes mal-encarados, homens de rostos severos e físicos medonhos, barbas por fazer, mal vestidos, braços fortes tatuados, fumavam charutos e bebiam cachaça. Se algum deles encontrasse Mateus em outro lugar daria-lhe uma surra. Mas naquele lugar não, todos estavam impressionados, e admirados com Mateus. Nosso herói com seu jeito acanhado, com suas desmunhecações, com seu passinho curto de quem anda fazendo força para não peidar, ganhou a simpatia dos brutamontes do botequim, todos eles pensavam: “que boiolinha mais corajoso, tem que ser muito macho para vim aqui deste jeito, ganhou meu respeito”.
       Depois da boa impressão que causara na turma, Mateus se dirige ao bar-man e pergunta baixinho aonde estão as mesas de jogo.
 - Queres jogar? – pergunta-lhe o bigodudo, careca e caolho despachante atrás do balcão.
 - Si, si, sim – responde gaguejante Mateus.
 - Tem certeza?
 - Si, si, sim – responde novamente gaguejando.
- Quantas fichas queres?
 - Du, du, duas.
- hahahahahahahahaaha – o bar-man emitiu uma sinistra risada que arrepio os pelos de Mateus, até mesmo as pleuras do cú se enrustiram. Mas entregou as duas míseras fichas, e empurrou nosso amigo para um recinto reservado, nos fundos do estabelecimento, longe da rua e dos olhares dos curiosos. Lá deixou Mateus sentado numa roda de pocker, e ao sair lhe desejou um sinistro: Muchas mala-sorte para ti, muchacho!
        O medo e emoção faziam as mãos de Mateus tremerem, mal podia segurar as cartas, mas jogava, e algumas partidas depois, já acumulava uma boa quantia em dinheiro. Resolveu tomar um trago para ver se acalmava os nervos, pediu ao garçom a bebida barata mais forte que havia no recinto.
- Um El Cabron, senhor? – indagou-lhe o garçom.
- Que é isso? – quis saber o narigudo.
 - Nosso drink classe “C” mais forte senhor. Foi um cliente nosso quem inventou, um tal de Danúbio.
 - Com esse nome deve ser bom, traz um para mim.
         A bebida, embora fosse de classe “C”, a categoria mais baixa, custou um quarto do que Teteu tinha ganho até o momento, mas valeu a pena, finalmente conseguiu controlar seus nervos e deu-lhe mais coragem. As apostas passaram a ser mais elevadas, as jogadas mais arrojadas, e os riscos, ganhos e perdas maiores. Mas Mateus estava com sorte, perdeu muito, mas ganhou mais e o saldo estava sendo positivo.              Porém chegou o clímax da noite, eram quatro horas da manhã e restava apenas uma mesa com jogo, e nela, os quatro maiores ganhadores da noite. Agora as apostas eram mais altas, e os jogadores mais experientes. Era uma espécie de grande final. Pelas regras da casa apenas um dos quatros poderia sair com todo o dinheiro ganho até ali. E começaram as partidas. Mateus estava confiante, já tinha bebido 32 El Cabrons, mas um momento de tensão lhe atravessa o espírito, um dos contendores aposta uma alta quantia, e nosso herói a cobre, mas fez isso antes de olhar as suas cartas, e ao fazê-lo descobre o quão suas cartas são pífias. O adversário percebe sua reação, e soturnamente ri, já prevendo a vitória. Os dois outros contendores já saíram derrotados, e nosso herói esta na iminência de também ser vencido. Mas antes disso mil pensamentos voam na sua mente, lembra-se dos dias vazios, das noites de solidão, da falta de grana, da falta de liberdade, das perseguições da irmã, das cobranças dos pais, do progresso dos amigos enquanto ele fica para trás. Isso não pode mais acontecer. Sua vida precisa mudar, e estava tão perto de conseguir, não pode voltar a estaca zero, não quer mais ser um serrão de bebidas, não quer sonhar com deusas e comer barangas, não, não, não, estou tão perto, não posso fracassar.
         Não há derrota pior do que naufragar vendo as luzes do porto, o desespero toma conta de Mateus, tem vontade de gritar, chorar e desistir, tristemente abaixa a cabeça, e vê, sim ele vê, uma esperança em forma de carta, um poderosíssimo Oito de Espadas jaz aos seus pés, esta carta pode fazer a diferença, mas isso não seria roubar? Um lampejo de consciência irrompe pela sua cabeça, mas as lembranças de sua vida e as possibilidades que o dinheiro de jogo podem lhe trazer o fazem decidir pela trapaça. Discretamente descalça seus sapatos, e aproveitando-se que suas meias estavam furadas, com os dedos do pé direito pega a carta e a coloca no joelho esquerdo, ato contínuo, pega a carta com a mão e a esconde na manga, aproveita um piscar de olhos do adversário e coloca a carta da manga no leque que segura. Finalmente os jogadores apresentam suas cartas. O rival possuia um four of queens, e Mateus um dois de paus, e uma sequencia, 7,8,9,10 de espada, a carta que encontrou permitiu isso, e surpreendentemente vence o jogo, conquistando a grana. Neste momento “We are Champions”, irrompe em seus ouvidos, é o dia mais feliz de sua vida. Uma nova era lhe começa nesta madrugada.