quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Mateus, o jogador.

        Os seus dias se arrastavam modorrentos e enfadonhos. Era um típico exemplar da nova geração Nem-Nem: nem trabalha, nem estuda. Mas não é assim por opção, já concluiu a faculdade, mas ainda não arranjou emprego. Tem tentado, mas para professor de filosofia as vagas são escassas.
         E neste marasmo vai passando suas semanas, sem emprego, sem dinheiro, sem estudo, sem rotina, sem perspectiva, e sem namorada. Os “nem’s”, ou “sem’s”, de sua vida são muitos, mas o que mais lhe angustia, é o último, o sem namorada. Todos os outros “sem’s” busca suprimir com o intuito de extinguir o principal; enxerga diploma, emprego e dinheiro, não como fins, mas meios em sua busca pelo amor.
          Aliviava-se da solidão frequentando a zona da cidade, não é um inveterado frequentador de cabarés, mas ia com uma certa rotina, a cada 30, 45 dias visitava um prostíbulo. Mas até isso está difícil, não tem mais dinheiro. Logo quando chegou, magro e com um canudo enfiado (calma Duca) no bolso, ganhava uns trocadinhos do velho pai, coisa pouca, mixarias iguais as que as crianças recebem para comprar balas. Ele as juntava por semanas até ter algumas dezenas de reais para gastar com as putas. Agora os agrados pecuniários cessaram-se, seu genitor, incomodado com sua vagabundice, fechou-lhe a carteira, fechando-lhe também as pernas das raparigas.
         Seu único consolo é beber, e isso quando acha quem lhe pague uma dose de ParaTudo. Bebe quando pode, e não quando quer. É quase um mendigo. Para sua vida não vislumbra solução. O que lhe resta é perambular sem rumo pelas noites de sexta e sábado torcendo para encontrar um conhecido em algum bar, e que este o convide para beber. E numa destas noites vadias, encontra seu velho amigo Bad Boy em uma mesa de sinuca. Foi uma feliz coincidência, Bad estava com uma garrafa de Montila, mas precisava de um parceiro para um desafio de tacos valendo 50 pilas.
 - E awe Mateus – cumprimenta o camarada.
- Beleza Bad! O que está fazendo? – pergunta Mateus.
- Jogando sinuca apostado. A proposito quer ser minha dupla nessa partida?
- Cara, não sou muito bom. - Relaxa, pode deixar comigo, já rapilei todo mundo aqui no bar, agora só querem jogar parceirados, portanto preciso de você só para fazer número.
            Dito e feito. Mateus errou todas as suas tacadas, mas a habilidade do colega saneou suas mancadas e venceram o certame.
          Ao receber o pagamento da aposta, Bad Boy presenteou o parceiro com dez reais. Foi uma noite satisfatória para o Bad, e de muita alegria e júbilo para Mateus, que ha seis meses não segurava uma nota de dez.
         Só que os efeitos da noite não se resumiram ao contentamento com o dinheiro ganho, uma ideia se encaraminholou na cachola de Mateus: jogar apostado. Isso pode ser arriscado, se alertava as vezes. Mas não há outra alternativa, igualmente se encorajava. Estava duro, e pressionado pela família a conseguir alguma coisa. Ademais, estava em crise de abstinência, a muito não dava umazinha. Resolveu-se por fim, jogaria todas as suas fichas no jogo apostado. Mas em qual jogo? Sinuca era um desastre. Para dama precisaria de inteligência. Xadrez não se joga apostado. Gamão ninguém joga na cidade. Restavam dominó e baralho, os jogos mais praticados no município, e que segundo o amigo Bad, eram os que se apostavam as mais altas quantias. Decidiu-se por estes. Mas não ia aventurar-se sem estar preparado. Durante duas semanas dedicou-se a aprender todas as artimanhas das cartas e pedras. Pesquisou as regras, origens, e jogadas; baixou programas que simulavam as partidas, jogou contra o computador e on-line. Em quinze dias se sentiu preparado, e partiu para o pano verde.
          Com um capital de apenas 5 reais (os outros 5, dos 10 que o amigo lhe dera, deixou em casa) fez sua estreia no mundo ilegal dos jogos de azar, numa roda de palitinho composta por esmolés. Cinquinho era muito pouco, até mesmo para as mesas de dominó e baralho das piores espeluncas, depois de ter sido ridicularizado em três biroscas, restou-lhe jogar na rua. Mas, teve sorte. Apostou seus cinco reais, contra uma coxa de frango de um mendigo e um sapato furado de um doido, e ganhou! Começou com o pé direito. Alguns indigentes começaram a apostar seus parcos recursos financeiros (centavos), e Mateus arrebatou todos. Ao final, teve um saldo de 3 reais, 65 centavos, uma garrafa com dois dedos de pinga, um cigarro já meio fumado, um boné, um calendário, um jornal de velho, uma coxa de frango, dois pães mofados, um penico e um pé de sapato chulerento. Levou seus troféus para a casa, mas não pode coloca-los na prateleira do quarto como tencionava.  Sua família não permitiu que semelhantes porcarias entrassem na residência.
         O sucesso da noite anterior animou-lhe mais, e decidiu desta vez levar todo o dinheiro que possuía, R$ 13,65, era ainda pouca para as rodas de prestígio mediano, mas suficiente para pelo menos uma mão de baralho no Botequim Ponta de Rua, biboca mal-encarada localizada na rua do Pau Rodou. Novamente foi bem sucedido, ganhou sessenta reais. Estava satisfeito, pensou em ir num brega de 4ª categoria e se esbaldar, mas desistiu da ideia. Um cabaré de nível quatro custaria todo o lucro da noite, queria guardar uma parte do dinheiro para futuros “investimentos”, foi então num já conhecido seu prostíbulo de 6ª classe.              Mateus acordou no outro dia como um novo homem, ou melhor, pela primeira vez na vida se sentiu macho. Tinha ganhado seu próprio dinheiro, não teve que pedir a ninguém, batalhou, arriscou e foi recompensado, e para comemorar, fez o que quis. Ainda lhe sobraram R$ 31,45, dava para ir jogar no Vegas Bar, o cassino ilegal mais frequentado da cidade. Tinha ciência que causaria de início má impressão, iria na casa de jogos mais afamada com pouca quantia, o suficiente para duas fichas, e um copo de água. Mas foi.
        Como previsto, ao entrar no recinto chamou logo a atenção. Era um ser totalmente diverso naquele ambiente. O cassino tinha a aparência de um boteco comum, mesas de plásticos com logotipo de cervejas, nas paredes posters de mulheres nuas e uma flâmula do Botafogo F.R. Os clientes mal-encarados, homens de rostos severos e físicos medonhos, barbas por fazer, mal vestidos, braços fortes tatuados, fumavam charutos e bebiam cachaça. Se algum deles encontrasse Mateus em outro lugar daria-lhe uma surra. Mas naquele lugar não, todos estavam impressionados, e admirados com Mateus. Nosso herói com seu jeito acanhado, com suas desmunhecações, com seu passinho curto de quem anda fazendo força para não peidar, ganhou a simpatia dos brutamontes do botequim, todos eles pensavam: “que boiolinha mais corajoso, tem que ser muito macho para vim aqui deste jeito, ganhou meu respeito”.
       Depois da boa impressão que causara na turma, Mateus se dirige ao bar-man e pergunta baixinho aonde estão as mesas de jogo.
 - Queres jogar? – pergunta-lhe o bigodudo, careca e caolho despachante atrás do balcão.
 - Si, si, sim – responde gaguejante Mateus.
 - Tem certeza?
 - Si, si, sim – responde novamente gaguejando.
- Quantas fichas queres?
 - Du, du, duas.
- hahahahahahahahaaha – o bar-man emitiu uma sinistra risada que arrepio os pelos de Mateus, até mesmo as pleuras do cú se enrustiram. Mas entregou as duas míseras fichas, e empurrou nosso amigo para um recinto reservado, nos fundos do estabelecimento, longe da rua e dos olhares dos curiosos. Lá deixou Mateus sentado numa roda de pocker, e ao sair lhe desejou um sinistro: Muchas mala-sorte para ti, muchacho!
        O medo e emoção faziam as mãos de Mateus tremerem, mal podia segurar as cartas, mas jogava, e algumas partidas depois, já acumulava uma boa quantia em dinheiro. Resolveu tomar um trago para ver se acalmava os nervos, pediu ao garçom a bebida barata mais forte que havia no recinto.
- Um El Cabron, senhor? – indagou-lhe o garçom.
- Que é isso? – quis saber o narigudo.
 - Nosso drink classe “C” mais forte senhor. Foi um cliente nosso quem inventou, um tal de Danúbio.
 - Com esse nome deve ser bom, traz um para mim.
         A bebida, embora fosse de classe “C”, a categoria mais baixa, custou um quarto do que Teteu tinha ganho até o momento, mas valeu a pena, finalmente conseguiu controlar seus nervos e deu-lhe mais coragem. As apostas passaram a ser mais elevadas, as jogadas mais arrojadas, e os riscos, ganhos e perdas maiores. Mas Mateus estava com sorte, perdeu muito, mas ganhou mais e o saldo estava sendo positivo.              Porém chegou o clímax da noite, eram quatro horas da manhã e restava apenas uma mesa com jogo, e nela, os quatro maiores ganhadores da noite. Agora as apostas eram mais altas, e os jogadores mais experientes. Era uma espécie de grande final. Pelas regras da casa apenas um dos quatros poderia sair com todo o dinheiro ganho até ali. E começaram as partidas. Mateus estava confiante, já tinha bebido 32 El Cabrons, mas um momento de tensão lhe atravessa o espírito, um dos contendores aposta uma alta quantia, e nosso herói a cobre, mas fez isso antes de olhar as suas cartas, e ao fazê-lo descobre o quão suas cartas são pífias. O adversário percebe sua reação, e soturnamente ri, já prevendo a vitória. Os dois outros contendores já saíram derrotados, e nosso herói esta na iminência de também ser vencido. Mas antes disso mil pensamentos voam na sua mente, lembra-se dos dias vazios, das noites de solidão, da falta de grana, da falta de liberdade, das perseguições da irmã, das cobranças dos pais, do progresso dos amigos enquanto ele fica para trás. Isso não pode mais acontecer. Sua vida precisa mudar, e estava tão perto de conseguir, não pode voltar a estaca zero, não quer mais ser um serrão de bebidas, não quer sonhar com deusas e comer barangas, não, não, não, estou tão perto, não posso fracassar.
         Não há derrota pior do que naufragar vendo as luzes do porto, o desespero toma conta de Mateus, tem vontade de gritar, chorar e desistir, tristemente abaixa a cabeça, e vê, sim ele vê, uma esperança em forma de carta, um poderosíssimo Oito de Espadas jaz aos seus pés, esta carta pode fazer a diferença, mas isso não seria roubar? Um lampejo de consciência irrompe pela sua cabeça, mas as lembranças de sua vida e as possibilidades que o dinheiro de jogo podem lhe trazer o fazem decidir pela trapaça. Discretamente descalça seus sapatos, e aproveitando-se que suas meias estavam furadas, com os dedos do pé direito pega a carta e a coloca no joelho esquerdo, ato contínuo, pega a carta com a mão e a esconde na manga, aproveita um piscar de olhos do adversário e coloca a carta da manga no leque que segura. Finalmente os jogadores apresentam suas cartas. O rival possuia um four of queens, e Mateus um dois de paus, e uma sequencia, 7,8,9,10 de espada, a carta que encontrou permitiu isso, e surpreendentemente vence o jogo, conquistando a grana. Neste momento “We are Champions”, irrompe em seus ouvidos, é o dia mais feliz de sua vida. Uma nova era lhe começa nesta madrugada.
 

5 comentários:

  1. kkkkk E assim Mateus começava a trapacear em jogos... kkkk (Logo percebe-se que a história não é crível, Bad Boy com dinheiro e um litro de Montilla é algo questionável.... kkk)

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  2. o litro de montilla talvez seja a unica coisa real ai....kkkkkk

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    1. Sim e o fato de Mateus ter vencido com uma carta na Manga?
      Imagina, Teteu roubar no jogo. Impossível. Aquilo é um poço de honestidade.

      Acho que exagerei quando afirmei que Mateus ganhou roubado. rsrsrsr

      abraços !!!!!!!!

      O Blog, aumenta, floreia, distorce, omite, mas sempre tem algum detalhe que é verdade.

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  3. KKKKKKKKKKKKKKKKK Ri demais no jogo de palitinhos com os esmolés :P

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