sexta-feira, 4 de outubro de 2013

O Grande Clássico.



DANIEL PABLO
SAULO ÍCARO
Direitos Reservados

Há certas coisas na vida em que a expectativa é mais saborosa que o próprio acontecimento. Tem coisa mais gostosa que o desejo de uma festa que se aproxima? Ou o anseio em se chegar numa viagem? Ou sonhar com os beijos da mulher amada? A imaginação sobre o que há de vir é muitas vezes um prazer mais intenso do que a sua concretização. Algo parecido acontece com alguns jogos de futebol, os chamados clássicos. Nos embates entre duas equipes de grande rivalidade, a proximidade do jogo eleva as expectativas a níveis máximos, ainda mais se o certame for uma decisão de título, o que é incrementado se for um torneio difícil, sendo um acontecimento único os dois rivais disputarem o troféu. Seria algo como uma final de Copa do Brasil entre Bahia e Vitória, ou uma libertadores entre Boca e Ríver, ou uma Champions League entre Barça e Real. Guardada as devidas proporções, esse grande jogo aconteceu, na zona rural de Irecê, mais precisamente no Achado, envolvendo os maiores rivais do mundo. Duas equipes pequenas e amadoras, mas que nutrem entre si uma rivalidade incomensurável. São elas: Grêmio Atlético Ypiranguense (G.A.Y.) e o Clube Atlético Guerreiros do Achado (C.A.G.A.).
Apesar de modestos, os dois clubes do pequeno povoado disputaram um clássico que mexeu muito mais com os sentimentos de seus torcedores do que qualquer outro clássico do mundo. Os outros jogos entre arqui-inimigos são, de certa forma, banais, repetitivos, a título de ilustração Botafogo e Fluminense, o clássico vovô, assim chamado por ser o mais antigo do país, foi disputado mais de trezentas vezes, uma média de três jogos por ano. Grêmio Ypiranguense e Atlético Guerreiro são raros, e por isso mais especiais, disputaram eles apenas 12 CAGA-GAY’s (todo clássico que se presa tem nome: Gre-Nal, BA-VI, San-São, este não poderia ser diferente) em sua guerra de décadas, sendo que passaram dez anos sem jogar entre si. Isso porque as equipes foram punidas. No seu antepenúltimo jogo, a rivalidade entre as torcidas chegou ao extremo, e elas protagonizaram a maior briga já vista no desporto ireceense. Resultado, foram banidas das competições por dois anos, e quando regressaram tiveram que disputar os torneios de acesso, até chegarem na primeira divisão do município, sendo que nesta trajetória não se enfrentaram. Os cartolas, temendo uma nova carnificina, modificavam os regulamentos para não permitirem um confronto entre estes times, mas na primeira divisão isso foi inevitável. Porém, o efetivo policial conseguiu conter a multidão.
Na última rodada da 1ª divisão do campeonato amador das Caraíbas, Atlético Guerreiro e Grêmio Ypiranguense estavam dividindo a liderança do certame, absolutamente empatdos, mesmo número de pontos, igual quantidade de vitórias, mesmo saldo de gols, igualados em gols pros, contras, cartões, impedimentos, média de público. Ou seja, o desempate seria na rodada final, no confronto entre as duas equipes. O vencedor levaria um troféu inédito para sua galeria, além do gostinho do título ser em cima do maior rival. Mas isso não aconteceu, o jogo terminou como todos os outros entre estes dois times, empatado em 0x0, cada um somou um ponto, e foram superados pelo Toca-Fogo da Boa Vista, que estava a um ponto atrás dos rivais, mas como venceu seu jogo, e estes empataram, terminou um ponto a frente de ambos. Foi uma enorme frustração para os torcedores do Achado. Os dois times do povoado, no que pese a rivalidade, morreram na praia. E ambos ficaram na bronca com o juiz que concedeu apenas dois minutos de acréscimo ao tempo regulamentar, e olha que cabia pelo menos uns cinco, foram muitos os casos de empurra-empurra entre os jogadores, além dos muito atendimentos médicos, causados pela rispidez das jogadas. Talvez com mais tempo alguma das equipes conseguisse o gol e o título. Mas o árbitro foi econômico e os rivais morreram abraçados.
Porém, nem tudo foi motivo de lamentação, o co-vice foi suficiente para que os dois clubes se habilitassem a disputa da Taça Libertadores do Feijão, torneio que reunia os melhores classificados nos campeonatos municipais da região, e Irecê dispunha de três vagas para a competição. Foi um bom consolo para a população do Achado, que envergava orgulhosa as camisetas de seus times. Um lado já provocava o outro, sonhando cada um com a primeira vitória em um clássico, na primeira participação dos dois times numa competição fora da cidade.
E o produto foi melhor que a encomenda, contrariando todas as expectativas e o favoritismo dos campeões de Xique-Xique e Lapão, as duas equipes do Achado chegam a final, que a exemplo do que ocorre nas competições europeias, será disputada em jogo único, no próprio campo do Achado, que receberá arquibancadas tubulares para aumentar sua capacidade.
Tudo muito lindo, as expectativas são as maiores possíveis, e o clima de rivalidade deixa tenso o ar. Os torcedores já estocam fogos e cerveja para comemorarem o tão sonhado título; pintam as casas de Amarelo e Preto, as cores do Grêmio Ypiranguense, ou de Azul, Laranja e Branco, tons do tricolor Atlético Guerreiro. Todos engordam porcos, e cabritos para o churrasco do próximo final de semana. Mas nem tudo é festa. Todo dia são registrados casos de rixa e lesões corporais. A polícia passou o pente fino e apreendeu o grosso das armas de fogo, mas alguns moradores ainda conservam seus trabucos, e sempre se ouvem tiros. Quem não tem mais armas briga com os punhos, facas, paus e pedras. A rivalidade é intensa, vizinhos deixam de se falar, os melhores amigos se tornam inimigos, e até as famílias se separam. Caioca inclusive, foi expulso de casa só porque em sua juventude, jogou de meia-avançado do Atlético Guerreiro, formando com os atacantes Furica e Nô Véi o trio de ouro do Tricolor Sertanejo. Gustinha não queria saber, ela é Grêmio até a alma, Caioca que se lascasse.
Só que os problemas desta grande final não se limitavam as tentativas de homicídio que ocorriam (quase que de hora em hora) nos bares, praças e até nas igrejas do povoado. Sabendo que o pau sempre cantava no clássico CAGA-GAY, nenhum árbitro queria apitar o certame, ainda mais que o jogo seria no barril de pólvora em que se transformara o Achado. Todo mundo tinha mulher e filho, nenhum juiz queria se arriscar.
O presidente da federação municipal não sabia o que fazer. Segundo as regras da competição era incumbência da entidade local organizar a partida sempre que os dois times fossem da mesma cidade. Agora danou-se, ninguém quer apitar essa bagaça. Até aumentou o pagamento do trio de arbitragem. Desesperado ligou pedindo ajuda à confederação regional. Teve seu pleito negado. Dê seus pulos, lhe disseram. O jeito é cancelar, ou pelo menos adiar a decisão. Era isso mesmo, protelaria o baba. Mandou e-mails para os presidentes dos clubes, convocando uma reunião para comunicar o adiamento da partida.
Oxente? Tá doido? Fumou bosta? Onde já se viu adiar uma final de Libertadores do Feijão? O presidente da FIFA (Federação Ireceense de Futebol Amador) estava numa sinuca de bico. Os cartolas das equipes finalistas não queriam o adiamento da decisão por nada. Era muita pressão, estava sozinho para resolver um problema que ninguém queria resolver. Mas ninguém quer apitar a final, argumentou. E por que não apita você mesmo? É isso mesmo, a responsabilidade é sua. Você vai ser o juiz. Pela primeira vez na vida os dirigentes rivais concordaram em algo, o presidente da federação seria o árbitro.
Agora fudeu legal, pensou consigo o hipotético árbitro. Tentava o mandatário ganhar tempo, enquanto pensava numa desculpa para se esquivar de tão arriscada tarefa. Alegou que tinha problemas no joelho e portanto não poderia correr (grande mentira, todo dia malhava de manhã, e a tarde fazia cooper na praça Cleriston para ficar com o cooper feito), deste modo não poderia apitar o jogo, mas os cartolas estava irredutíveis, por fim, teve uma inspiração divina para livrar sua pele. Já que o jogo será no Achado, e os dois times são de lá, por que não escolher um morador local para ter a honra (infortúnio) de apitar a final? É uma boa, concordaram, pela segunda vez na vida, os cartolas rivais. Mas quem seria? Que tal Neco Lino? Ele já apitou antes. Neco Lino???????? Nunca! Aquele cara é auri-negro desde criancinha, vai roubar pro Grêmio Ypiranguense, prefiro Assis Machado. Uma ova, a família dele é toda tricolete. Então Zé Guarabira. Só por cima do meu cadáver. O árbitro ideal é Chico Churupita. Nunca, Manoel Lapiseira é bem melhor. Melhor uma bosta, que tal Eleotério Vargas..., Já chega. Bradou o presidente da FIFA. Não há ninguém que seja neutro? Todo mundo no Achado é adepto de um dos clubes? Não há alguém de lá que saiu muito cedo e que portanto não tem lado nesta grande rivalidade? Os cartolas pensaram um pouco e um deles lembrou-se: tem aquele carinha estranho que estudou em Salvador. O filho do craque Caioca? KKAKAKAKAKAKK, craque Caioca?? Aquilo era o maior pereba, não sei como Dona Gustinha, uma de nossas mais atuantes torcedoras, se casou com este perna de pau. Você ta com inveja, o cracaço Caioca era tão fabuloso que despertou admiração até na sua torcida, e tem mais... Já chega caralho! Vão começar de novo esta discussão besta? Não vem que o tal filho do Baioca..., Caioca Sr. Presidente. Que seja, não veem que o rapaz é a solução? Ele é teoricamente neutro, é filho de um ex jogador do Atlético Guerreiro e de uma torcedora do Grêmio Ypiranguense, não vai roubar para ninguém. Sei não presidente, esse cara é meio esquisito..., E daí, não tem ninguém mais para apitar esta merda de jogo, ou é o tal ou não tem jogo e não tem campeão. Não, não, ta bom, aceitamos. Certo, diz aí como é o nome dele que eu vou já vou mandar ele vim aqui. Acho que o nome é Mateus. Mateus Dourado para ser mais preciso. Ótimo, já temos um arbitro, fim da reunião.
Imediatamente após a reunião, o presidente da federação buscou informações sobre o futuro árbitro, o que não foi difícil, Mateus tem sua vida amplamente exposta nas redes sociais da internet, em meia hora a Federação já sabia todos os dados necessários, inclusive, o endereço de tão nobre criatura, e na mesma noite, visitaram nosso amigo para fazer o convite.
Hum cara, sei não. Nunca apitei antes. Mas, é só um jogo, pense bem, uma oportunidade única. Sei lá, eu sei que o bicho sempre pega nos CAGA-GAY’s..., Oh Mateus! Apita essa porra! Não vê que só você pode por fim a essa situação aqui em casa? Seu pai ta morando no carro, que nem na garagem pode ficar, e quando vai na roça fica discutindo futebol e esquece de ordenhar as vacas, sua Mãe é o dia todo no Achado costurando bandeiras, passando os uniformes do time que ela torce, não arruma a casa e nem faz a comida, ta tudo de pernas para o ar por causa deste jogo. Ta bom Morais você me convenceu, Sr. Presidente vou apitar a final.
O mandatário demorou meia hora para processar a cena que vira, o árbitro da decisão foi convencido a apitar o jogo por seu fantoche, que se chama Morais. Os cartolas tinham razão, o cara é esquisito mesmo, aliás esquisito é pouco, a figura é completamente biruta. Já vi que este jogo vai dar merda. Mas tem o lado bom, os argumentos do boneco Morais foram tão persuasivos que nem foi preciso pagar a Mateus para apitar o jogo. A federação economizou 500 pilas hehehehe.

E eis que chega o grande dia da decisão...
Amigos da rádio Mandacaru FM (que tinha como slogan “Um coice em seus ouvidos”), estamos aqui nos minutos finais da prorrogação e o jogo continua 0x0, parece que vamos ter penaltys. Grêmio Ypiranguense no ataque, Labilá toca para Fogoió, que devolve para o camisa 8, ele tenta passar por Raimundona, mas perde a bola, contra-ataque perigosos do Atlético, Lilinho avança velozmente pela lateral, foge da falta, da uma caneta em Pindobácio, vai até a linha de fundo, faz um cruzamento, bololô na área do Grêmio Ypiranguense, Jurubeba sai mal do gol, a bola sobra para Barro Mole, chutou, vai fazer, vai ser um golaço, Perneta saaaaaaaaaaalva, o zagueiro de uma perna só estica sua muleta ao alto e coloca a bola para escanteio, essa pelota tinha endereço certo...
Tem confusão! Os jogadores do Atlético cercam o árbitro pedindo penalty, o que você acha Armaldo Cesar Lebre? Penalty claro, o jogador fez um movimento com o braço, valendo-se da muleta para tirar a bola. Você concorda craque Beto? Claro que não Juliano do Vale, a muleta substitui a perna, e portanto lance legal, baita salvada (merece seleção). Mas ele fez o movimento com o braço..., e o juiz deu penalty!!!!!!!! Agora são os do Grêmio que partem para cima do árbitro, mas parece que o juiz os convenceu e se acalmaram..., vamos saber com nosso correspondente no gramado o que o juiz decidiu, é com você Ludemberg Berg.
Juliano, o juiz tem o mesmo entendimento do craque Beto, a muleta substitui a perna, mas deu o penalty por que Perneta levantou a muleta muito alto na altura da cabeça de um jogador adversário, e portanto jogo perigoso, penalty e cartão amarelo para Perneta. Sáááábia decisão do árbitro, nem Salomão pensaria numa dessas, deu um jeito de marcar o penalty e não desagradar totalmente a outra equipe.
Rosicleudo se prepara para a cobrança, pode ser o gol do título, o tento da primeira vitória em um clássico CAGA-GAY, conta cinco passos para trás, vem correndo, vai desferir uma patada..., BUM!!!!!!!! O que é isso minha gente????????? Antes que o jogador batesse o penalty deram um tiro na bola. Pelos bigodes do profeta. Onde esta a polícia? De onde veio este tiro Ludemberg Berg Berg?
Juliano do Vale, parece que o tiro quem disparou foi uma torcedora do Grêmio, a polícia já esta apreendendo a arma, segundo o capitão é um mosquete do século XVIII..., peraí, chegou a informação que a autora do disparo é a mãe do árbitro. E tem mais Juliano, ela estourou a única bola do jogo, não vai ter mais penalty.
Pelos pentelhos do profeta! Uma torcedora atira na bola. Eu nunca vi isso. E ta tendo mais confusão nas arquibancadas. A torcida do Atlético inconformada começa a atirar objetos no gramado. Há atrito na zona de contenção, torcedores tentam chegar nos adversários, uma tragédia se anuncia...
Juliano. Fala Ludemberg Berg Berg Berg. Acabei de ter a informação que vai ser sim batido o penalty, o arbitro vai aproveitar um coco que a torcida jogou no gramado e usá-lo como bola. Pelos cabelos do sovaco do profeta, que ideia de jerico, qual é sua opinião craque Beto? Pô Juliano, ta de brrrrrincadeira, mas não tem jeito, vai ter que bater o penal com o coco mesmo. Pode isso Armaldo? Bem, a regra não fala sobre o que deve ser usado como bola, faz menção apenas às dimensões e pesos da mesma, e daqui me parece que o coco se enquadra nos padrões.
Então vamos lá, ta tudo preparado, bola, digo coco, na marca de cal, o goleirão Jurubeba concentrado, partiu Rosicleudo... NA TRAVEEEEE! O potente chute do craque atleticano acerta o pau, a torcida do Grêmio Ypiranguense vai a loucura, mas peraê..., o arbitro ta apontando o centro de campo..., ele deu Gol. Pelas sobrancelhas do profeta, como pode isso Armaldo? Bem, quando o coco bateu na trave se partiu em dois, uma parte foi para fora e a outra entrou no gol. Oxente, então é meio gol, so entrou metade do coco na balisa. E é isso mesmo craque Beto, o repórter Ludemberg Berg Berg Berg Berg acaba de confirmar que o árbitro deu meio gol e encerrou a partida, já tem inclusive a informação na súmula.
Pelos cabelos do lobiscú do profeta, o Clube Atlético Guerreiros do Achado, o glorioso CAGA, é campeão vencendo o seu arqui-rival pelo placar mais apertado da história ½ x 0 (meio gol a zero), e o capitão se prepara para erguer a taça, mas os jogadores do Grêmio Ypiranguese, querem bater no árbitro, a confusão ta formada, o bicho ta pegando, eu vou sair daqui, fui...