DANIEL PABLO
SAULO ÍCARO
Direitos Reservados
Há
certas coisas na vida em que a expectativa é mais saborosa que o próprio
acontecimento. Tem coisa mais gostosa que o desejo de uma festa que se
aproxima? Ou o anseio em se chegar numa viagem? Ou sonhar com os beijos da
mulher amada? A imaginação sobre o que há de vir é muitas vezes um prazer mais
intenso do que a sua concretização. Algo parecido acontece com alguns jogos de
futebol, os chamados clássicos. Nos embates entre duas equipes de grande
rivalidade, a proximidade do jogo eleva as expectativas a níveis máximos, ainda
mais se o certame for uma decisão de título, o que é incrementado se for um
torneio difícil, sendo um acontecimento único os dois rivais disputarem o
troféu. Seria algo como uma final de Copa do Brasil entre Bahia e Vitória, ou
uma libertadores entre Boca e Ríver, ou uma Champions League entre Barça e
Real. Guardada as devidas proporções, esse grande jogo aconteceu, na zona rural
de Irecê, mais precisamente no Achado, envolvendo os maiores rivais do mundo.
Duas equipes pequenas e amadoras, mas que nutrem entre si uma rivalidade
incomensurável. São elas: Grêmio Atlético Ypiranguense (G.A.Y.) e o Clube
Atlético Guerreiros do Achado (C.A.G.A.).
Apesar
de modestos, os dois clubes do pequeno povoado disputaram um clássico que mexeu
muito mais com os sentimentos de seus torcedores do que qualquer outro clássico
do mundo. Os outros jogos entre arqui-inimigos são, de certa forma, banais,
repetitivos, a título de ilustração Botafogo e Fluminense, o clássico vovô,
assim chamado por ser o mais antigo do país, foi disputado mais de trezentas
vezes, uma média de três jogos por ano. Grêmio Ypiranguense e Atlético
Guerreiro são raros, e por isso mais especiais, disputaram eles apenas 12
CAGA-GAY’s (todo clássico que se presa tem nome: Gre-Nal, BA-VI, San-São, este
não poderia ser diferente) em sua guerra de décadas, sendo que passaram dez
anos sem jogar entre si. Isso porque as equipes foram punidas. No seu antepenúltimo
jogo, a rivalidade entre as torcidas chegou ao extremo, e elas protagonizaram a
maior briga já vista no desporto ireceense. Resultado, foram banidas das
competições por dois anos, e quando regressaram tiveram que disputar os
torneios de acesso, até chegarem na primeira divisão do município, sendo que
nesta trajetória não se enfrentaram. Os cartolas, temendo uma nova carnificina,
modificavam os regulamentos para não permitirem um confronto entre estes times,
mas na primeira divisão isso foi inevitável. Porém, o efetivo policial conseguiu
conter a multidão.
Na
última rodada da 1ª divisão do campeonato amador das Caraíbas, Atlético
Guerreiro e Grêmio Ypiranguense estavam dividindo a liderança do certame,
absolutamente empatdos, mesmo número de pontos, igual quantidade de vitórias,
mesmo saldo de gols, igualados em gols pros, contras, cartões, impedimentos,
média de público. Ou seja, o desempate seria na rodada final, no confronto
entre as duas equipes. O vencedor levaria um troféu inédito para sua galeria,
além do gostinho do título ser em cima do maior rival. Mas isso não aconteceu,
o jogo terminou como todos os outros
entre estes dois times, empatado em 0x0, cada um somou um ponto, e foram
superados pelo Toca-Fogo da Boa Vista, que estava a um ponto atrás dos rivais,
mas como venceu seu jogo, e estes empataram, terminou um ponto a frente de
ambos. Foi uma enorme frustração para os torcedores do Achado. Os dois times do
povoado, no que pese a rivalidade, morreram na praia. E ambos ficaram na bronca
com o juiz que concedeu apenas dois minutos de acréscimo ao tempo regulamentar,
e olha que cabia pelo menos uns cinco, foram muitos os casos de empurra-empurra
entre os jogadores, além dos muito atendimentos médicos, causados pela rispidez
das jogadas. Talvez com mais tempo alguma das equipes conseguisse o gol e o
título. Mas o árbitro foi econômico e os rivais morreram abraçados.
Porém,
nem tudo foi motivo de lamentação, o co-vice foi suficiente para que os dois
clubes se habilitassem a disputa da Taça Libertadores do Feijão, torneio que
reunia os melhores classificados nos campeonatos municipais da região, e Irecê
dispunha de três vagas para a competição. Foi um bom consolo para a população
do Achado, que envergava orgulhosa as camisetas de seus times. Um lado já
provocava o outro, sonhando cada um com a primeira vitória em um clássico, na
primeira participação dos dois times numa competição fora da cidade.
E o
produto foi melhor que a encomenda, contrariando todas as expectativas e o
favoritismo dos campeões de Xique-Xique e Lapão, as duas equipes do Achado
chegam a final, que a exemplo do que ocorre nas competições europeias, será
disputada em jogo único, no próprio campo do Achado, que receberá arquibancadas
tubulares para aumentar sua capacidade.
Tudo
muito lindo, as expectativas são as maiores possíveis, e o clima de rivalidade
deixa tenso o ar. Os torcedores já estocam fogos e cerveja para comemorarem o
tão sonhado título; pintam as casas de Amarelo e Preto, as cores do Grêmio
Ypiranguense, ou de Azul, Laranja e Branco, tons do tricolor Atlético
Guerreiro. Todos engordam porcos, e cabritos para o churrasco do próximo final
de semana. Mas nem tudo é festa. Todo dia são registrados casos de rixa e
lesões corporais. A polícia passou o pente fino e apreendeu o grosso das armas
de fogo, mas alguns moradores ainda conservam seus trabucos, e sempre se ouvem
tiros. Quem não tem mais armas briga com os punhos, facas, paus e pedras. A
rivalidade é intensa, vizinhos deixam de se falar, os melhores amigos se tornam
inimigos, e até as famílias se separam. Caioca inclusive, foi expulso de casa só
porque em sua juventude, jogou de meia-avançado do Atlético Guerreiro, formando
com os atacantes Furica e Nô Véi o trio de ouro do Tricolor Sertanejo. Gustinha
não queria saber, ela é Grêmio até a alma, Caioca que se lascasse.
Só
que os problemas desta grande final não se limitavam as tentativas de homicídio
que ocorriam (quase que de hora em hora) nos bares, praças e até nas igrejas do
povoado. Sabendo que o pau sempre cantava no clássico CAGA-GAY, nenhum árbitro
queria apitar o certame, ainda mais que o jogo seria no barril de pólvora em
que se transformara o Achado. Todo mundo tinha mulher e filho, nenhum juiz
queria se arriscar.
O presidente
da federação municipal não sabia o que fazer. Segundo as regras da competição
era incumbência da entidade local organizar a partida sempre que os dois times
fossem da mesma cidade. Agora danou-se, ninguém quer apitar essa bagaça. Até
aumentou o pagamento do trio de arbitragem. Desesperado ligou pedindo ajuda à
confederação regional. Teve seu pleito negado. Dê seus pulos, lhe disseram. O
jeito é cancelar, ou pelo menos adiar a decisão. Era isso mesmo, protelaria o
baba. Mandou e-mails para os presidentes dos clubes, convocando uma reunião
para comunicar o adiamento da partida.
Oxente?
Tá doido? Fumou bosta? Onde já se viu adiar uma final de Libertadores do
Feijão? O presidente da FIFA (Federação Ireceense de Futebol Amador) estava
numa sinuca de bico. Os cartolas das equipes finalistas não queriam o adiamento
da decisão por nada. Era muita pressão, estava sozinho para resolver um
problema que ninguém queria resolver. Mas ninguém quer apitar a final, argumentou.
E por que não apita você mesmo? É isso mesmo, a responsabilidade é sua. Você
vai ser o juiz. Pela primeira vez na vida os dirigentes rivais concordaram em algo,
o presidente da federação seria o árbitro.
Agora
fudeu legal, pensou consigo o hipotético árbitro. Tentava o mandatário ganhar
tempo, enquanto pensava numa desculpa para se esquivar de tão arriscada tarefa.
Alegou que tinha problemas no joelho e portanto não poderia correr (grande
mentira, todo dia malhava de manhã, e a tarde fazia cooper na praça Cleriston para ficar com o cooper feito), deste
modo não poderia apitar o jogo, mas os cartolas estava irredutíveis, por fim,
teve uma inspiração divina para livrar sua pele. Já que o jogo será no Achado,
e os dois times são de lá, por que não escolher um morador local para ter a
honra (infortúnio) de apitar a final? É uma boa, concordaram, pela segunda vez
na vida, os cartolas rivais. Mas quem seria? Que tal Neco Lino? Ele já apitou
antes. Neco Lino???????? Nunca! Aquele cara é auri-negro desde criancinha, vai
roubar pro Grêmio Ypiranguense, prefiro Assis Machado. Uma ova, a família dele
é toda tricolete. Então Zé Guarabira. Só por cima do meu cadáver. O árbitro ideal
é Chico Churupita. Nunca, Manoel Lapiseira é bem melhor. Melhor uma bosta, que
tal Eleotério Vargas..., Já chega. Bradou o presidente da FIFA. Não há ninguém
que seja neutro? Todo mundo no Achado é adepto de um dos clubes? Não há alguém
de lá que saiu muito cedo e que portanto não tem lado nesta grande rivalidade?
Os cartolas pensaram um pouco e um deles lembrou-se: tem aquele carinha
estranho que estudou em Salvador. O filho do craque Caioca? KKAKAKAKAKAKK,
craque Caioca?? Aquilo era o maior pereba, não sei como Dona Gustinha, uma de
nossas mais atuantes torcedoras, se casou com este perna de pau. Você ta com
inveja, o cracaço Caioca era tão fabuloso que despertou admiração até na sua
torcida, e tem mais... Já chega caralho! Vão começar de novo esta discussão besta?
Não vem que o tal filho do Baioca..., Caioca Sr. Presidente. Que seja, não veem
que o rapaz é a solução? Ele é teoricamente neutro, é filho de um ex jogador do
Atlético Guerreiro e de uma torcedora do Grêmio Ypiranguense, não vai roubar
para ninguém. Sei não presidente, esse cara é meio esquisito..., E daí, não tem
ninguém mais para apitar esta merda de jogo, ou é o tal ou não tem jogo e não
tem campeão. Não, não, ta bom, aceitamos. Certo, diz aí como é o nome dele que
eu vou já vou mandar ele vim aqui. Acho que o nome é Mateus. Mateus Dourado
para ser mais preciso. Ótimo, já temos um arbitro, fim da reunião.
Imediatamente
após a reunião, o presidente da federação buscou informações sobre o futuro
árbitro, o que não foi difícil, Mateus tem sua vida amplamente exposta nas
redes sociais da internet, em meia hora a Federação já sabia todos os dados
necessários, inclusive, o endereço de tão nobre criatura, e na mesma noite,
visitaram nosso amigo para fazer o convite.
Hum
cara, sei não. Nunca apitei antes. Mas, é só um jogo, pense bem, uma
oportunidade única. Sei lá, eu sei que o bicho sempre pega nos CAGA-GAY’s...,
Oh Mateus! Apita essa porra! Não vê que só você pode por fim a essa situação
aqui em casa? Seu pai ta morando no carro, que nem na garagem pode ficar, e
quando vai na roça fica discutindo futebol e esquece de ordenhar as vacas, sua
Mãe é o dia todo no Achado costurando bandeiras, passando os uniformes do time
que ela torce, não arruma a casa e nem faz a comida, ta tudo de pernas para o
ar por causa deste jogo. Ta bom Morais você me convenceu, Sr. Presidente vou
apitar a final.
O
mandatário demorou meia hora para processar a cena que vira, o árbitro da
decisão foi convencido a apitar o jogo por seu fantoche, que se chama Morais.
Os cartolas tinham razão, o cara é esquisito mesmo, aliás esquisito é pouco, a
figura é completamente biruta. Já vi que este jogo vai dar merda. Mas tem o
lado bom, os argumentos do boneco Morais foram tão persuasivos que nem foi
preciso pagar a Mateus para apitar o jogo. A federação economizou 500 pilas
hehehehe.
E
eis que chega o grande dia da decisão...
Amigos
da rádio Mandacaru FM (que tinha como slogan “Um coice em seus ouvidos”),
estamos aqui nos minutos finais da prorrogação e o jogo continua 0x0, parece
que vamos ter penaltys. Grêmio Ypiranguense no ataque, Labilá toca para Fogoió,
que devolve para o camisa 8, ele tenta passar por Raimundona, mas perde a bola,
contra-ataque perigosos do Atlético, Lilinho avança velozmente pela lateral,
foge da falta, da uma caneta em Pindobácio, vai até a linha de fundo, faz um
cruzamento, bololô na área do Grêmio Ypiranguense, Jurubeba sai mal do gol, a
bola sobra para Barro Mole, chutou, vai fazer, vai ser um golaço, Perneta saaaaaaaaaaalva,
o zagueiro de uma perna só estica sua muleta ao alto e coloca a bola para
escanteio, essa pelota tinha endereço certo...
Tem
confusão! Os jogadores do Atlético cercam o árbitro pedindo penalty, o que você
acha Armaldo Cesar Lebre? Penalty claro, o jogador fez um movimento com o braço,
valendo-se da muleta para tirar a bola. Você concorda craque Beto? Claro que
não Juliano do Vale, a muleta substitui a perna, e portanto lance legal, baita
salvada (merece seleção). Mas ele fez o movimento com o braço..., e o juiz deu
penalty!!!!!!!! Agora são os do Grêmio que partem para cima do árbitro, mas
parece que o juiz os convenceu e se acalmaram..., vamos saber com nosso
correspondente no gramado o que o juiz decidiu, é com você Ludemberg Berg.
Juliano,
o juiz tem o mesmo entendimento do craque Beto, a muleta substitui a perna, mas
deu o penalty por que Perneta levantou a muleta muito alto na altura da cabeça
de um jogador adversário, e portanto jogo perigoso, penalty e cartão amarelo
para Perneta. Sáááábia decisão do árbitro, nem Salomão pensaria numa dessas,
deu um jeito de marcar o penalty e não desagradar totalmente a outra equipe.
Rosicleudo
se prepara para a cobrança, pode ser o gol do título, o tento da primeira
vitória em um clássico CAGA-GAY, conta cinco passos para trás, vem correndo,
vai desferir uma patada..., BUM!!!!!!!! O que é isso minha gente????????? Antes
que o jogador batesse o penalty deram um tiro na bola. Pelos bigodes do
profeta. Onde esta a polícia? De onde veio este tiro Ludemberg Berg Berg?
Juliano
do Vale, parece que o tiro quem disparou foi uma torcedora do Grêmio, a polícia
já esta apreendendo a arma, segundo o capitão é um mosquete do século XVIII...,
peraí, chegou a informação que a autora do disparo é a mãe do árbitro. E tem
mais Juliano, ela estourou a única bola do jogo, não vai ter mais penalty.
Pelos
pentelhos do profeta! Uma torcedora atira na bola. Eu nunca vi isso. E ta tendo
mais confusão nas arquibancadas. A torcida do Atlético inconformada começa a
atirar objetos no gramado. Há atrito na zona de contenção, torcedores tentam
chegar nos adversários, uma tragédia se anuncia...
Juliano.
Fala Ludemberg Berg Berg Berg. Acabei de ter a informação que vai ser sim
batido o penalty, o arbitro vai aproveitar um coco que a torcida jogou no
gramado e usá-lo como bola. Pelos cabelos do sovaco do profeta, que ideia de
jerico, qual é sua opinião craque Beto? Pô Juliano, ta de brrrrrincadeira, mas não
tem jeito, vai ter que bater o penal com o coco mesmo. Pode isso Armaldo? Bem,
a regra não fala sobre o que deve ser usado como bola, faz menção apenas às
dimensões e pesos da mesma, e daqui me parece que o coco se enquadra nos
padrões.
Então
vamos lá, ta tudo preparado, bola, digo coco, na marca de cal, o goleirão
Jurubeba concentrado, partiu Rosicleudo... NA TRAVEEEEE! O potente chute do craque
atleticano acerta o pau, a torcida do Grêmio Ypiranguense vai a loucura, mas
peraê..., o arbitro ta apontando o centro de campo..., ele deu Gol. Pelas
sobrancelhas do profeta, como pode isso Armaldo? Bem, quando o coco bateu na
trave se partiu em dois, uma parte foi para fora e a outra entrou no gol.
Oxente, então é meio gol, so entrou metade do coco na balisa. E é isso mesmo
craque Beto, o repórter Ludemberg Berg Berg Berg Berg acaba de confirmar que o
árbitro deu meio gol e encerrou a partida, já tem inclusive a informação na
súmula.
Pelos
cabelos do lobiscú do profeta, o Clube Atlético Guerreiros do Achado, o
glorioso CAGA, é campeão vencendo o seu arqui-rival pelo placar mais apertado
da história ½ x 0 (meio gol a zero), e o capitão se prepara para erguer a taça,
mas os jogadores do Grêmio Ypiranguese, querem bater no árbitro, a confusão ta
formada, o bicho ta pegando, eu vou sair daqui, fui...
Baita duma história.... kkkk
ResponderExcluirE essa semana vai ter a continuação: o programa esportivo para discutir os lances polêmicos deste Baita jogo.
Excluirabraços!